quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Os mortos da janela ou o poema da bruxa


Há algum tempo li esta crônica e vi algo de belo nela. Destaquei do jornal onde li e a guardei.
É algo surreal, as vezes muito real, interessantíssimo. Solidão? Alguém conhece? Ele fala de uma forma fantasiosa, sombria... mas lindo!

O muro da frente é um muro alto. Esconde toda a escuridão além. Da minha janela, minha abertura para o mundo, só vejo o muro. Um muro negro, imenso, maior que o mundo além. Neste muro, então, observo a vida. Ela passa em mim com passos lentos, turva, amorfa, sem face: como preferir. Este mundo aberto para o mundo, nunca uma caverna, é o espelho que reflete o que sucede ao redor. Quando há luz.
Meus vizinhos, não os conheço. Nunca vi suas caras. Não sei se são gordos, magros, feios. Nem imagino o que gostam de comer, quais são suas preferências sexuais. Nem sei se são humanos. Tenho porém, a certeza que de que existem. Escuto suas vozes no bater das portas de alumínio, quando chegam da rua. Possíveis trabalhos? Bebedeiras inconsoláveis? Suicidas em potencial? Talvez pensem a mesma coisa de mim quando chego e me tranco, com medo de encontrá-los na escada ou no corredor. Meus vizinhos - as únicas pessoas que preenchem minha solidão - são apenas sons e sombras. Sombras que vejo na noite, projetadas no enorme muro em frente minha janela. Homem solitário que sou (nunca só) como se fosse o maior dos velhos, meu fetiche é observar seus movimentos noturnos, quando também estão nas janelas que dão de frente para o muro. Talvez eles também me observem, procurando ver, através da sombra obscura, minha alma. Ao menos, é isso o que faço. Quando me vejo observado em minha intimidade, apago a luz e sombra - eu - some.
Cada vizinho tem sua peculiaridade. O da única janela à esquerda é apenas som e parece ter uma mãe. O da primeira janela à direita é insone e passa muito mais tempo que eu na janela. O da segunda janela à direita parece não existir. Além disso, os outros, sei que existem mas se escondem na escuridão do muro e meus olhos não os enxergam. Se seria fácil manter uma relação com eles? Não sei. De certo, eles existem. Ouço seus barulhos. Uns escarram outros fazem amor: mas será existência humana? Eu vejo suas sombras.
Seria eu capa de amá-los? Sei que eles existem, vejo suas sombras. Mas seriam sombras de uma existência humana? Um milhão de sombras e nem uma humana como a minha. Teria eu também me transformado em uma reles sombra? Uma sombra daquilo que um dia talvez eu tenha sido. Ontem vi no mudo duas sombras que se amavam. Seriam dois homens? Seriam lésbicas? Um estupro? Um casal heterosexual e religioso que consumava o amor que sentiam um pelo outro?
Pós-escrito: Se algum dia eu topar com algum de meus vizinhos no corredor ou na escada, juro que sou capaz de matar um deles, temeroso, como se eles não existissem e se fizessem reais apenas para me assombrar.

Thiago Alonso

2 comentários:

  1. Realmente, a forma que o texto foi escrito é que faz toda a diferença e por pura ironia, o torna belíssimo e intenso.

    Tb amei =)

    Um beijão, minha flor.
    Vim te desejar um feliz ano novo. Que ele seja de muita paz e alegrias para vc ;)

    Te espero lá no blog!
    www.nicellealmeida.blogspot.com

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  2. Desejo tudo de melhor em 2011!
    muita luz e paz ;)

    beijinhos

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